Rápido envelhecimento da população pode refletir na atividade e sobrecarregar saúde pública e Previdência
Rápido envelhecimento da população pode refletir na atividade e sobrecarregar saúde pública e Previdência
Cenário altera a dinâmica produtiva e causa reflexos no mercado de trabalho e no PIB. Para especialistas, país ainda é lento em se adaptar à mudança demográfica.
Por André Catto
Novos dados
do Censo de 2022 divulgados nesta sexta-feira (27) pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) mostram que a idade mediana do brasileiro passou
de 29 anos em 2010 para 35 anos em 2022.
Isso
significa que metade da população tem até 35 anos, e a outra metade é mais
velha que isso. Em 2022, o Brasil registrou também o maior salto de
envelhecimento entre dois censos desde 1940, passando a ter 55 idosos para cada
100 jovens.
A tendência
do país, portanto, é ter cada vez menos jovens e cada vez mais idosos —
transição que aumenta os desafios para a economia brasileira.
Na prática,
quanto mais a população envelhece, menor é o número de pessoas em idade ativa.
Esse
movimento altera a dinâmica produtiva e causa reflexos no mercado de trabalho e
no Produto Interno Bruto (PIB), que é a soma de todos os bens e serviços. E,
principalmente, sobrecarrega a Previdência e a saúde pública.
Medidas estruturais
Para
economistas ouvidos pelo g1, o Brasil precisa aplicar medidas estruturais e de
longo prazo para sustentar o envelhecimento populacional. A avaliação, no
entanto, é que o país ainda demora a agir.
Nós estamos
sempre atrasados. Não fizemos as reformas quando o país era mais jovem, e não
fizemos quando começou a envelhecer. Mudanças demográficas são mais
previsíveis. Se conseguimos prever, deveríamos agir de maneira mais adequada.
Para Luis
Eduardo Afonso, da USP, a reforma da Previdência aprovada em novembro de 2019
foi essencial, mas não o suficiente. Ele aponta que o texto deixou pontos
importantes em aberto — e que precisarão ser revisados nos próximos anos.
A principal
falha, segundo ele, seria justamente a exclusão de um trecho relacionado ao
envelhecimento da população. O ponto vetado estabelecia o aumento automático da
idade de aposentadoria conforme o aumento da expectativa de vida dos
brasileiros.
“Essa
precisa ser uma regra automática”, diz. “É um sistema já aplicado em
países da Europa.”
O
economista-chefe da Análise Econômica, André Galhardo, aponta que outro desafio
está no orçamento público.
Ele lembra
que, desde a Constituição Federal de 1988, diversos gastos estão engessados —
ou seja, com destino obrigatório —, o que aumenta os desafios quando o país
precisar destinar mais recursos para Previdência e Saúde.
Temos que
fazer uma mudança estratégica de longo prazo, e não esperar que uma nova rodada
de aumento da taxa de desemprego nos obrigue a tomar decisões precipitadas.
Galhardo
lembra que, antes da reforma da Previdência em 2019, houve uma forte crise do
mercado de trabalho e o consequente desequilíbrio do orçamento previdenciário
em 2015 e 2016. Naqueles anos, o PIB brasileiro teve queda de mais de 3%.
“Agora
nós temos um cenário relativamente melhor. Então, não devemos esperar o próximo
ciclo negativo para adotar medidas. Caso contrário, certamente seria uma
decisão de curto prazo e que iria expor a população mais carente”,
continua.
Rombo previdenciário
Segundo
estimativas da Secretaria do Regime Geral de Previdência Social do Ministério
da Previdência Social, o déficit do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS)
deve mais que dobrar até 2060 e quadruplicar até 2100.
Os números
constam na proposta da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2024. De acordo com o
governo, o rombo previdenciário previsto para esse ano é de R$ 276,9 bilhões, o
equivalente a 2,6% do PIB.
A projeção é
que o resultado negativo avançará em 2060 para R$ 3,3 trilhões ou 5,9% do PIB
e, em 2100, para R$ 25,22 trilhões — 10,4% do PIB.
Avanço social e mercado de trabalho
O diretor do
FGV Social, Marcelo Neri, destaca que, nos últimos 35 anos, o Brasil fez o
dever de casa em questões sociais, com avanços na expectativa de vida, no
número de crianças na escola e queda da pobreza. Mas deixou a desejar na
economia.
O
especialista explica que o Brasil é um caso especial de mudança demográfica
acelerada, “talvez só comparável à China”, e destaca que as reformas
implementadas no Brasil costumam ter efeitos limitados, já que, geralmente, são
tardias, e incluem muitas exceções que comprometem sua efetividade.
Uma outra
alternativa para mitigar os efeitos econômicos do envelhecimento da população,
diz Neri, seria a adoção de medidas que busquem reinserir os aposentados no
mercado de trabalho — o que também traz desafios.
“A
população idosa tem 3,3 anos de estudo menos do que a média. Isso porque,
quando eles foram para o sistema escolar na fase deles, muitos não estudaram
nada. O sistema escolar brasileiro era precário. Então, também há essa
dificuldade”, explica.
Além da escolaridade,
outro obstáculo para a reinserção desse público no mercado de trabalho é a taxa
de conectividade ou de internet em casa — que é a metade em comparação com o
resto da população —, diz o especialista.
“Temos
que pensar em formar equipes de trabalho mais diversas, também com diferentes
faixas etárias. Mas isso não é uma tarefa simples. Envolve uma mudança
cultural”, conclui.
Quais caminhos percorrer?
Em geral, os
especialistas reforçam que, além de adotar reformas baseadas nas mudanças
demográficas, é preciso entender que esse o envelhecimento da população vai exigir
realocações de recursos.
“A
gente precisa gastar mais com Previdência. Também com serviços de saúde, de
cuidadores de idosos, que são onde a inflação é alta”, diz Marcelo Neri,
da FGV Social.
“O
investimento em educação também ajuda a manter vidas mais produtivas, fazendo
com que pessoas cheguem com mais segurança [financeira] à terceira idade.
Porque o problema não são os idosos de hoje. São os idosos do futuro.”
Para Luis
Eduardo Afonso, da USP, outro ponto fundamental nesse processo é o Brasil
pensar na qualificação profissional dos idosos, além de elaborar políticas
públicas que incentivem a inclusão dessa população no mercado de trabalho.
“É um
desafio. Não temos muita experiência nesse sentido. O contingente de idosos
está aumentando e, ao mesmo tempo, essas pessoas terão que ficar mais tempo no
mercado de trabalho. É uma combinação que nunca tivemos na história do
Brasil”, diz o especialista em Previdência.
“As
pessoas se aposentavam mais cedo, mas agora têm que trabalhar até os 65 anos.
Elas terão que se desenvolver, buscar acompanhar novas tecnologias”,
conclui.