Selic em 10,50%: decisão unânime do Copom anima o mercado; entenda por quê
Selic em 10,50%: decisão unânime do Copom anima o mercado; entenda por quê
Todos os diretores do Copom e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, votaram nesta quarta-feira (19) para manter a Selic no atual patamar.
Por André Catto, Isabela Bolzani, g1
Após sete
reduções seguidas na taxa básica de juros brasileira, a Selic, o Comitê de
Política Monetária (Copom) do Banco Central do Brasil (BC) decidiu fazer uma
pausa no ciclo de cortes nesta quarta-feira (19).
Com isso, o
colegiado manteve os juros básicos do país inalterados no patamar de 10,50% ao
ano (a.a.). A decisão veio em linha com as atuais expectativas do mercado, mas
ainda representa uma previsão maior de juros para 2024 em relação ao observado
no começo do ano.
Para
analistas, tão importante quanto a própria decisão do colegiado foi o fato de
ela ter sido unânime. Votaram para manter a Selic no atual patamar todos os
diretores do Copom e o presidente do BC, Roberto Campos Neto, que tem sido alvo
de críticas do presidente Lula (PT).
A reunião anterior do colegiado (em 8 de maio) foi marcada por uma divisão de votos: os antigos diretores queriam um corte de 0,25 pontos percentuais na taxa de juros, enquanto os novos diretores, indicados por Lula, votaram por um corte maior, de 0,50 ponto. O voto de minerva foi do presidente do BC — concretizando, então, o corte de 0,25 ponto.
Aquele
cenário elevou os receios do mercado de que os novos diretores pudessem optar
por uma condução mais frouxa da política monetária — em linha com o que quer o
governo. Por isso, a nova decisão do Copom, mais dura e unânime, foi vista com
alívio por investidores. (Entenda abaixo)
‘Retomada
da confiança’
Para o
economista-chefe da Nova Futura Investimentos, Nicolas Borsoi, o movimento
sugere que os novos diretores, indicados pelo presidente Lula, estão alinhados
com uma postura mais cautelosa do Copom neste momento.
“Sendo
assim, o mercado deve pedir menores prêmios na curva de juros, uma vez que um
dos riscos para a decisão desta quarta-feira era uma percepção de leniência dos
novos diretores. Isso, portanto, deve contribuir para a queda das taxas de
juros e do câmbio”, diz.
Ainda
segundo Borsi, esse alívio nos juros e no câmbio deve reduzir também a pressão
de venda na bolsa de valores brasileira, contribuindo para uma recuperação do
Ibovespa, principal índice acionário.
O
economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, lembra que as declarações
recentes do presidente Lula contra o Banco Central e o presidente da autoridade
monetária, Campos Neto, deixaram o mercado ainda mais preocupado com a decisão
desta quarta.
Em
entrevista à Rádio CBN na terça-feira (18), Lula disse que o Banco Central é a
“única coisa desajustada” no Brasil e que o presidente da
instituição, Roberto Campos Neto, “trabalha para prejudicar o país”.
“O
receio era se, nessa reunião, teríamos uma divisão de ala governista contra ala
técnica, se ocorreria aquele dissenso da reunião anterior. Mas não foi o que
aconteceu. Então, o cenário fortalece a expectativa para novas decisões,
indicando que elas vão ser sempre apoiadas em fatores técnicos e não
políticos”, afirma Agostini.
A
economista-chefe da B.Side Investimentos, Helena Veronese, também acredita que
a decisão unânime tende a colaborar com um alívio no mercado, mesmo que
“momentâneo”.
“Essa
unanimidade pode contribuir para um alívio momentâneo no mercado, tirando um
pouco do foco o fato de haver uma divisão política no Banco Central”, diz.
Ela pondera,
no entanto, que isso “não deverá ser suficiente para tirar do radar uma
preocupação central”. “Teremos um BC mais leniente com a inflação a
partir de 2025?”, questiona.
Em análise divulgada após o anúncio do Copom, a Guide Investimentos destacou que, apesar da interrupção do ciclo de queda da Selic, a decisão deve ser bem recebida pelo mercado, uma vez que “a postura dura e a unanimidade reforçam o comprometimento do BC com as metas de inflação”.
“Ao
interromper o ciclo em votação unânime e manter uma linguagem dura no que diz
respeito às próximas decisões, o BC deu um passo importante para ‘retomar a
confiança’ dos investidores”, informou a corretora.
Por que o
BC decidiu interromper o ciclo de cortes de juros?
Segundo
economistas, o principal motivo para a pausa nos cortes da Selic foi a maior
desancoragem das expectativas de inflação.
“A
desancoragem que já existia na semana passada aumentou. E não aumentou pouca
coisa, aumentou muito”, afirma a economista-chefe da Armor Capital, Andrea
Damico, reiterando que as últimas sinalizações dos diretores do Copom também
indicam esse como o principal fator para a tomada de decisão.
Segundo
comunicado divulgado nesta quarta-feira após a decisão, o colegiado afirmou que
o ambiente externo se mantém adverso, “em função da incerteza elevada e
persistente sobre a flexibilização da política monetária nos Estados Unidos e
quanto à velocidade com que se observará a queda da inflação de forma
sustentada em diversos países.”
Os diretores
também afirmaram que o conjunto de indicadores de atividade econômica e do
mercado de trabalho brasileiro continuam apresentando um “dinamismo maior
do que o esperado”.
Entre os
fatores de risco de alta de inflação citados pelo Copom no comunicado divulgado
após a decisão, estão:
– uma maior
persistência das pressões inflacionárias globais; e
– uma maior
resiliência na inflação de serviços do que a projetada em função de um hiato do
produto mais apertado.
Já entre os
riscos de baixa estão:
– uma
desaceleração da atividade econômica global mais acentuada do que a projetada;
e
– os
impactos do aperto monetário sincronizado sobre a desinflação global se
mostrarem mais fortes do que o esperado.
“O
Comitê avalia que as conjunturas doméstica e internacional seguem mais
incertas, exigindo maior cautela na condução da política monetária”, disse
o colegiado no comunicado.
Política
monetária internacional
Do lado do
exterior, dizem especialistas, o ambiente mais adverso em meio às crescentes
incertezas sobre a política monetária internacional – principalmente nos
Estados Unidos – continuou na mira do BC.
Em sua
última reunião de política monetária, o Federal Reserve (Fed, o banco central
norte-americano) decidiu mais uma vez manter os juros do país inalterados na
faixa entre 5,25%, e 5,50%, destacando que não considera dar início aos cortes
de juros até que tenha “maior confiança de que a inflação está evoluindo de
forma sustentável para 2%”.
Além disso,
o Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc, na sigla em inglês) ainda voltou a
dizer que está “preparado para ajustar a orientação da política monetária
conforme apropriado caso surjam riscos que possam impedir o alcance de seus
objetivos.”
Segundo o
economista-chefe da Ágora Investimentos, Dalton Gardimam, havia um diagnóstico
muito otimista por parte do Fed no ano passado que mudou ao longo desse ano, em
meio aos dados ainda fortes da economia norte-americana.
“Se no
começo do ano o mercado esperava sete cortes de 0,25 p.p. pelo Fed, agora a
estimativa é que ele só reduza as taxas em dezembro ou um ou dois meses antes.
Só isso já justificaria o mundo virar de cabeça para baixo”, afirmou.
Deterioração
do ambiente fiscal
Outro fator
importante na decisão do BC foi a deterioração do ambiente fiscal brasileiro.
Entre os pontos citados pelos especialistas estão:
– A mudança
da meta fiscal para 2025;
– A troca da
presidência da Petrobras; e
– Dúvidas
sobre a capacidade do governo em alcançar o equilíbrio fiscal.
“Não houve,
necessariamente, uma terrível piora nos números fiscais deste ano. Então não é
necessariamente uma deterioração fiscal do país, mas uma piora do ambiente
fiscal, no qual se adicionou muita incerteza à frente”, disse Gardimam.
Em abril
desse ano, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou uma mudança na
projeção fiscal do Brasil. A nova previsão passou a ser de déficit zero para
2025 — e não mais de superávit de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB), como
previsto até o ano passado.
Na leitura do mercado, a mudança na meta significa abrir mais espaço para gastos – mesmo em um cenário de dificuldade do governo em aumentar as receitas e apenas no segundo ano de existência do novo arcabouço fiscal.
Além disso,
a “fritura” do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, após derrotas recentes do
governo com o Congresso, também tem pesado no mercado financeiro, que continua
a questionar a capacidade do ministro de concretizar a agenda econômica e
alcançar o equilíbrio fiscal necessário no país.
“Foi uma
mudança na meta e, sobretudo, o questionamento de uma estratégia [de aumento de
impostos]. Não dá pra passar muito tempo com uma estratégia fiscal baseada
exclusivamente em aumento de imposto. Há um limite”, afirmou o economista da
Ágora, sinalizando a necessidade de corte de gastos por parte do governo.
E quais
foram os recados do BC para o futuro da Selic?
Em
comunicado divulgado nesta quarta-feira, o Copom afirmou que a conjuntura atual
já sinaliza um processo desinflacionário mais lento e indica “ampliação da
desancoragem das expectativas de inflação” em meio a um cenário global
desafiador.
Esse
cenário, de acordo com o colegiado, “demanda serenidade e moderação na condução
da política monetária” por parte da instituição.
Ainda no
comunicado, o Copom também ressaltou que decidiu, com unanimidade, interromper
o ciclo de queda de juros, destacando que o cenário global incerto e o cenário
doméstico marcado por resiliência na atividade, elevação das projeções de
inflação e expectativas desancoradas demandam maior cautela.
“A
política monetária deve se manter contracionista por tempo suficiente em
patamar que consolide não apenas o processo de desinflação como também a
ancoragem das expectativas em torno de suas metas”, afirmaram os
diretores.
O Comitê ainda reforçou que se manterá vigilante e relembrou que “eventuais ajustes futuros na taxa de juros serão ditados pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta”.