Senado vai contra STF e aprova marco temporal para demarcações de terras indígenas
Senado vai contra STF e aprova marco temporal para demarcações de terras indígenas
Depois de pedirem urgência na tramitação do projeto e analisar os destaques, senadores decidiram pela aprovação da tese. Agora, a proposta seguirá para sanção do presidente.
Por Sara Resende — Brasília
O Senado
aprovou nesta quarta-feira (27), por 43 votos a 21, o projeto que estabelece um
marco temporal para demarcação de terras indígenas. A proposta seguirá para
sanção do presidente Lula (PT).
Pela
proposta, os povos indígenas só poderão reivindicar a posse de áreas que
ocupavam, de forma permanente, em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da
Constituição. Na prática, se as comunidades não comprovarem que estavam nas
terras nesta data, poderão ser expulsas.
O movimento
de avançar com o projeto, liderado pela bancada ruralista, contraria decisão do
Supremo Tribunal Federal (STF) concluída nesta quarta. A corte definiu a tese
do marco como ilegal.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco , declarou que a votação do texto pelo Senado não representa um “enfrentamento” ao tribunal e classificou o gesto do Congresso como “muito natural”. Segundo o parlamentar, este tipo de tema deve ser tratado pelo parlamento.
A votação no
Senado foi relâmpago. A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aprovou o
texto no início da tarde. O projeto não estava na pauta do plenário. Mas a
urgência da matéria foi o primeiro pedido a ser analisado. Logo em seguida, o
conteúdo da proposta foi aprovado.
Diante da
contradição entre Congresso e STF, pode haver judicialização do tema. Os
ministros do tribunal definiram que não é válido usar a data da promulgação da
Constituição como um critério para a definição da posse indígena.
Como o
projeto foi aprovado depois e como uma lei comum, partidos políticos poderão
contestá-lo por ser inconstitucional e provocar o tribunal a debater novamente
o marco temporal. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, há 226
processos aguardando um desfecho do caso. A decisão do STF também poderá
balizar a atuação do Poder Executivo na demarcação.
O projeto prevê:
️ autorização para garimpos e
plantação de transgênicos dentro de terras indígenas;
️possibilita contato com povos
isolados;
️ possibilidade de realização de
empreendimentos econômicos sem que os povos afetados sejam consultados;
️celebração de contratos, entre
indígenas e não-indígenas, para exploração de atividades econômicas nos
territórios tradicionais;
️prevê que a interrupção da posse
indígena ocorrida antes de outubro de 1988, independentemente da causa,
inviabiliza o reconhecimento da área como tradicionalmente ocupada. A exceção é
para caso de conflito de posse no período. Neste caso, o marco temporal não
seria aplicado em caso de expulsão dos indígenas. Especialistas avaliam, no
entanto, que é difícil comprovar o conflito e a expulsão.
️ que o governo indenize a desocupação
das terras e valide títulos de propriedade em terras das comunidades indígenas.
Sobre esse
último ponto, especialistas acreditam que isso permitirá que não indígenas que
tenham invadido áreas de comunidades sejam indenizados.
De acordo
com o texto, antes de concluído o processo de demarcação, “não haverá
qualquer limitação de uso e gozo aos não indígenas que exerçam posse sobre a
área, garantida a sua permanência na área objeto de demarcação”.
Articulação
Os
ruralistas, com suporte da ala mais conservadora do Congresso, começaram a
travar as votações de projetos na Câmara e no Senado enquanto o marco temporal
não fosse aprovado.
Os plenários
das duas Casas não votaram propostas nesta terça.
A Frente
Parlamentar Agropecuária, o PL, o Novo e outros grupos divulgaram nota em que
“repudiam a contínua usurpação de competência pelo Supremo Tribunal Federal
em temas como legalização das drogas, descriminalização do aborto, direito de
propriedade e legítima defesa, entre outros, manifestando seu firme e integral
repúdio às decisões que invadem as competências do parlamento”.
“Ressalvado
o nosso respeito às competências do STF como Corte Constitucional, não
aceitaremos qualquer interferência na prerrogativa legislativa do Congresso
Nacional”, diz o documento.
A oposição
no Senado vem reagindo de forma contrária a julgamentos da corte.
Oposicionistas querem que um plebiscito seja feito no Brasil sobre aborto. E
Pacheco propôs incluir na Constituição proibição da posse e do porte de
qualquer tipo de droga.
Povos indígenas
A
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) sugeriu ao governo uma série
de sugestões de mudanças ao texto.
Segundo a
Apib, no projeto, “há flagrante violação do Direito Originário dos Povos
Indígenas”, que é reconhecido desde o Brasil Colônia. “É uma tradição
do direito brasileiro, com disposições semelhantes na primeira Lei de Terras do
ano de 1850 e nas Constituições de 1934, 1937, 1946 e 1967”, diz o estudo.
Para a
entidade, “a adoção de um marco temporal vem para legalizar o processo
histórico de mais de 500 anos de colonização, genocídio e expulsão dos povos
indígenas dos seus territórios, que remete a tempos muito anteriores ao ano de
1988”.
A Apib
defende a separação do processo de indenização, no caso de boa-fé do
proprietário da terra, do requerimento de demarcação do mesmo terreno.
A entidade teme que, a partir do projeto, indenizações começarão a ser pagas àqueles que “tenham se envolvido em conflitos possessórios com indígenas que resultaram na expulsão dos povos originários de suas terras”. Isso, de acordo com Apib, “incentivaria invasões e premiaria graves violações de tratados internacionais de direitos humanos e do texto constitucional”.