Subsídios serão 12,5% da conta de energia que a população pagará em 2024; saiba como funcionam
Subsídios serão 12,5% da conta de energia que a população pagará em 2024; saiba como funcionam
Consumidor vai pagar R$ 32,7 bilhões para arcar com políticas públicas do setor. Conta mais que dobrou na última década.
Por Lais Carregosa, g1 — Brasília
Os subsídios
são uma parcela crescente da conta de luz do brasileiro e devem alcançar 12,5%
da tarifa em 2024, segundo cálculo da Agência Nacional de Energia Elétrica
(Aneel), feito a pedido do g1. Os consumidores devem pagar R$ 32,7 bilhões por
esses encargos na conta de luz neste ano.
Os subsídios
são pagos pela Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), criada em 2002 para
custear políticas públicas do setor elétrico e que, a partir de 2013, passou a
concentrar todos os subsídios na conta de luz. Os custos da CDE são divididos
por todos os consumidores.
Dados da
Aneel mostram que esses encargos mais que dobraram entre 2013 e 2024, saindo de
R$ 14,1 bilhões para o valor previsto de R$ 37,2 bilhões neste ano.
“Ela [a CDE]
virou uma espécie de saco sem fundo do setor elétrico”, destaca o ex-presidente
da estatal Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e diretor executivo da
consultoria PSR, Luiz Barroso.
Além disso,
também pesou no bolso do consumidor o fato de que, em 2015, o governo parou de
usar dinheiro do Tesouro Nacional para custear parte da CDE.
“A partir
daí o Tesouro deixou de fazer o aporte, o que aumentou substancialmente a
conta. Agora, de 2018 até 2023, a CDE praticamente dobrou de tamanho e ela
dobrou por conta da intensificação dos subsídios para as renováveis e para a GD
[geração distribuída]”, conta o presidente da Frente Nacional dos Consumidores,
Luiz Eduardo Barata.
Subsídios
para renováveis são aqueles concedidos para fontes de energia como solar,
eólica e pequenas centrais hidrelétricas (grandes hidrelétricas não recebem).
Geração
distribuída: são equipamentos de geração conectados diretamente na rede da
distribuidora local. O maior exemplo disso são os painéis solares nos tetos das
casas.
Esta reportagem vai explicar:
Quais são os
subsídios pagos na conta de luz?
Por que esse
valor tem aumentado?
Qual o
impacto para o consumidor?
Quais as
soluções apontadas?
(Esta
reportagem faz parte de uma série sobre como as políticas públicas de energia
afetam o consumidor. A série já explicou que o Brasil produz mais energia do
que consome e que isso não é necessariamente positivo. Também vai explicar o
aumento na conta de luz, apesar do excesso de oferta de energia no Brasil)
Quais são os subsídios pagos pelo
cidadão na conta de luz?
A conta de
luz dos consumidores é formada por vários itens (taxa de transmissão e
distribuição, custo e o quanto ele realmente consumiu, por exemplo). Na conta,
entram também os subsídios dentro da CDE, que atualmente são estes:
Conta de Consumo de Combustíveis
(CCC)
Essa conta
paga o custo dos combustíveis fósseis para geração de energia por usinas
termelétricas em áreas que não estão conectadas ao sistema interligado
nacional.
Fontes incentivadas
Nesse caso,
o consumidor ajuda a bancar descontos nas tarifas de “uso do fio” para
transmissão e distribuição de energia. Esses descontos são dados para algumas
usinas de fontes como solar, eólica e biomassa.
Geração Distribuída
Esse
subsídio cobre as perdas e despesas das distribuidoras causadas por benefícios
tarifários concedidos aos consumidores que geram sua própria energia –como as
placas solares no teto das casas.
Tarifa Social
A tarifa
financia o desconto na conta de luz dado para pessoas que estão inscritas no
Cadastro Único para benefícios sociais do governo federal, como o Bolsa
Família.
Universalização
Subsídio que
banca investimentos na universalização do acesso à energia elétrica, levando os
serviços a locais que não seriam economicamente atrativos para as
distribuidoras. É responsável, por exemplo, pelo programa Luz para Todos e o
kit de instalação da energia.
Irrigação e Agricultura
Encargo que
financia desconto na parcela de consumo usada para irrigação na agricultura.
Carvão Mineral
Esse
subsídio banca reembolso às usinas que usam carvão mineral nacional. É um
subsídio considerado ultrapassado por especialistas, já que ajuda a bancar uma
fonte poluente.
Distribuidora de Pequeno Porte
Valor pago
na conta de luz e usado para compensar o fato de que clientes de distribuidoras
de pequeno porte são poucos. Por isso, quando os custos são repartidos entre
eles os custos, os valores embutidos na tarifa ainda ficam muito altos.
Rural
Subsídio que
banca desconto na tarifa da conta de luz de produtores rurais ou trabalhadores
rurais aposentados;
Água-Esgoto-Saneamento
Subsídio que
financia desconto para prestadoras dos serviços de água, esgoto e saneamento.
Ranking
Os subsídios
para os combustíveis nos lugares sem acesso ao sistema interligado têm sido a
maior parte da CDE, mas em 2024 o cenário vai se inverter: os descontos para as
fontes incentivadas, as usinas de geração renovável, passam a ser a maior
parcela da conta de subsídios — R$ 12,7 bilhões.
A Conta de
Consumo de Combustíveis vem depois, com R$ 10,7 bilhões, seguida da Tarifa
Social, orçada em aproximadamente R$ 6,2 bilhões.
Qual o impacto para o consumidor?
Em 2024, o
consumidor vai arcar com 88% dos subsídios, que somam R$ 37,2 bilhões — ou
seja, desse total, R$ 32,7 bilhões sairão do bolso do consumidor.
Desse valor,
aproximadamente R$ 1,7 bilhão é do benefício à geração distribuída custeado
somente pelo consumidor que compra energia da distribuidora local.
Segundo
cálculos da PSR, o subsídio médio para quem tem geração distribuída é de R$ 370
por mês, beneficiando cerca de 3 milhões de pessoas e empresas.
Já quem é
beneficiário da tarifa social recebe R$ 27 por mês de subsídio. Ao todo, em
torno de 17 milhões de pessoas estão cadastradas na Tarifa Social.
“Ou seja, o
benefício para o usuário em GD [geração distribuída] — em geral consumidores de
renda mais alta ou empresas — é quase 14 vezes maior que o benefício concedido
ao consumidor de baixa renda. Além disso, o consumidor de baixa renda paga, em
sua tarifa, os custos do subsídio para a GD”, afirma.
Por que esse valor tem aumentado?
Segundo
Barroso, da PSR, a CDE “cresceu muito porque manteve muitos subsídios ainda a
fontes que não precisam mais, deixou de subsidiar de forma eficiente algumas
contas. Então continuamos gastando muito dinheiro com carvão mineral, óleo combustível
e tudo mais”, destacou.
O diretor de
Energia Elétrica da Associação dos Grandes Consumidores de Energia e
Consumidores Livres (Abrace), Victor Hugo iOcca, cita três fatores que têm
levado ao aumento da CDE:
– subsídios
às fontes incentivadas, que serviram para inserir determinadas tecnologias no
país, mas que não se mostrariam mais necessários. Uma das consequências dessa
política é o excesso de oferta no Brasil;
– conta de
consumo de combustíveis, sensível ao preço dos derivados de petróleo;
– tarifa
social, que tem aumentado por causa da concessão automática do benefício aos
usuários do Cadastro Único. Antes da mudança, era preciso solicitar a inclusão
à distribuidora de energia;
– “[A tarifa
social] talvez seja o único subsídio dentro da CDE que tenha uma justificativa
muito importante, que é a justificativa social. Mas, de novo, arrecadar por
meio das tarifas de energia com certeza não é o melhor caminho”, defende iOcca.
Barroso, da PSR, destaca o peso dos subsídios à geração distribuída, que tendem a aumentar. Em 2022, o Congresso Nacional aprovou uma lei que transfere o custo dos benefícios para a CDE, com maior peso para o consumidor do mercado cativo –como o residencial, que não pode escolher o seu fornecedor.
Na avaliação
dos especialistas, políticas públicas como a da geração distribuída, aprovadas
pelo Congresso, têm afetado o preço da energia para o consumidor não só pela
ampliação dos subsídios, mas também pela imposição de contratação de
determinadas fontes de energia sem o planejamento necessário.
“A história
da CDE precisa ser complementada por outra parte que foram uma série de
políticas públicas e de incentivos que foram definidas na melhor das intenções
pelo Congresso Nacional e que acarretam custos adicionais ao consumidor”,
afirma Barroso.
Quais as soluções apontadas?
Em 2022, com
a privatização da Eletrobras, o governo negociou um aporte da empresa na CDE
para amenizar o aumento da conta de luz.
Ficou
acertado que Eletrobras transferiria R$ 32 bilhões ao longo de 25 anos para a
conta de subsídios, com aporte inicial de R$ 5 bilhões em 2022 e demais
transferências em torno de R$ 1 bilhão por ano. Contudo, o impacto na conta de
luz em 2023 foi estimado em só 2%.
Para conter
os impactos dos subsídios, os especialistas consultados pelo g1 defendem a
transferência da CDE para o Orçamento Nacional, com o pagamento pelo Tesouro.
“Existem
subsídios que o consumidor de energia elétrica pode pagar e existem subsídios
que são políticas públicas maiores e que o Tesouro poderia pagar. O Tesouro já
há muito tempo, há muito tempo mesmo, já não coloca dinheiro na CDE”, declara
Barroso.
O
ex-presidente da EPE também pontua que os interesses do consumidor residencial
não têm forte representação, como os demais agentes do setor elétrico. Com os
subsídios no Orçamento, o Ministério da Fazenda seria a contraparte para evitar
o crescimento da conta, argumenta.
“Transferir
aos poucos os subsídios da CDE para o Tesouro, na nossa visão como Abrace, é o
primeiro movimento para buscarmos uma racionalidade no setor elétrico, que já
foi perdida”, afirma iOcca.
Além da
transferência para o Tesouro, Barata defende uma análise “extremamente
criteriosa da composição da CDE, identificando o que merece e o que não merece
continuar”. A Frente Nacional dos Consumidores pretende formalizar essa proposta
para o governo e o Congresso.
O ex-diretor
da Aneel, Edvaldo Santana, discorda da proposta de transferência da CDE para o
Orçamento. “Seria um erro para corrigir outro erro”, afirma. Segundo
Santana, o Tesouro poderia contribuir com a Tarifa Social, mas os outros subsídios
deveriam ser eliminados.
Procurado pela
reportagem, o Ministério de Minas e Energia disse que tem estudado
“alternativas de redução dos custos da CDE”.
Segundo a
pasta, “na atual sistemática, existem desequilíbrios, causados por políticas
públicas equivocadas dos últimos anos, que aumentaram a conta dos consumidores
cativos”. A jornalistas no último dia 21, o ministro de Minas e Energia,
Alexandre Silveira, afirmou que os subsídios poderiam ser menores.
“É
muito dinheiro pago pelo consumidor por políticas que não são muito compatíveis
com o planejamento e é o cuidado que nós estamos tendo agora”, declarou.